terça-feira, 25 de novembro de 2014

O papel da representação no ensino e aprendizagem das fracções



(tradução e adaptação do artigo de Tad Watanabe Representations in Teaching and Learning Fractions, publicado na revista  Teaching Children Mathematics, em Abril de 2002, vol.8, 8, p. 457-463)

Modelos para as fracções
Neste artigo faz-se a distinção entre modelo e representação, o termo modelo é usado para referir os materiais, ferramentas de ensino que se utilizam, distinguindo-se assim do termo representação. Usa-se um modelo para representar uma ideia matemática, neste caso a fracção.
Encontram-se usualmente três modelos para fracções: o modelo linear, o modelo da área e o modelo discreto (ver fig.1, com estes 3 modelos para a fracção 3/4).


Muitos dos materiais existentes são apropriados para um determinado modelo, embora alguns possam ser usados para diversos modelos. Por exemplo, as barras Cuisenaire são usadas para o modelo linear, enquanto que fichas/marcas (dos jogos) podem ser usados para o modelo discreto. Em contrapartida, os cubos de encaixar podem ser usados como modelo discreto, como as fichas, mas encaixando uns nos outros formam um “comboio” e são usados como modelo linear. Os blocos padrão são geralmente usados no modelo da área. 

Quando os adultos vêm uma criança usar os blocos padrão, um azul e dois verdes (como estão na figura 2) em que o azul modela a fracção 1/3, pensam que a criança não compreendeu o conceito de fracção de forma a modelá-la correctamente. 
E isso pode não corresponder ao que se passa com a criança. Nada a impede de modelar fracções com o modelo discreto, usando cada bloco padrão como uma unidade. 
O que é que este episódio nos diz? Que a compreensão pela criança das figuras geométricas e da sua medida de área, pode afectar este raciocínio. Para esta criança se três peças mesmo diferentes encaixam para fazer uma outra figura, cada uma delas seria 1/3 da figura obtida.
Analisemos um outro episódio com outra criança no 2.º ano de escolaridade e numa tarefa de investigação acerca dos bolos preferidos. Foram apresentados três quadrados (ver fig.3), que modelavam esses bolos e que a criança sobrepôs para ver que eram iguais e quando se lhe perguntou qual das partes “pintadas” do bolo escolheria numa situação em que estivesse com muita fome, respondeu que optaria pela que tem a forma triangular porque era o bocado maior, visto ser o mais comprido.


Mais uma vez a compreensão da noção de área pode ter afectado o raciocínio desta criança.
O que nos leva a questionar se todos os modelos são apropriados em determinados contextos, em qualquer idade e ano de escolaridade. Se o conceito de área ainda está a ser desenvolvido, será este modelo apropriado para trabalhar as fracções?

Métodos para representar fracções
Para cada um dos três modelos referidos, podemos usar, pelo menos, dois métodos diferentes para representar fracções:
(1)    o método da parte-todo e
(2)    o método da comparação

Na fig. 1 a fracção ¾, para cada modelo, está representada pelo método parte-todo. O método da comparação também pode ser usado para cada um dos modelos já referidos como mostra a figura 3
.


A principal diferença entre estes dois métodos de representação está na relação entre o todo/a unidade e a parte/a fracção. No método da parte-todo, a fracção/a parte está encaixada no todo, faz parte integrante do todo. No método da comparação, o todo e a parte fraccionária são construídos separadamente. Usando este método a fracção ¾ está representada, para cada um dos modelos, da forma que se apresenta na fig. 4. Este método reflecte melhor o significado da fracção como uma razão.
Alguns materiais manipulativos são mais adequados a um determinado método de representação e outros podem ser usados com ambos. Por exemplo, as barras Cuisenaire, usadas como modelos lineares ajustam-se melhor ao método da comparação do que ao método da parte-todo. O método da comparação mostra o todo/a unidade e a fracção separadamente. Ao usar as barras podemos dizer que a barra verde escura representa a unidade/o todo. Então a barra vermelha representa a fracção 1/3; a branca 1/6 e a verde clara ½, etc. Os cubos de encaixar são mais usados para representar fracções pelo método parte-todo, embora também possam ser usados no método da comparação. Quando se usam diferentes tipos de materiais manipulativos, os professores devem estar atentos aos diferentes métodos de representação. A forma como os materiais estão a ser usados para representar a fracção deve ser consistente com o método que está a ser explorado, ou seja, se estamos a introduzir a fracção como a parte de uma unidade então será mais adequado usar cubos de encaixar do que as barras cuisenaire.
Outros conceitos acerca das fracções, como a sua comparação (qual representa o número maior), também pode ser melhor explorado usando o método da comparação, porque ajuda as crianças a compreender a necessidade de uma unidade comum. Assim os professores podem optar por usar as barras cuiseniare em vez dos cubos de encaixar.
Outra questão que deve ser equacionada, relativamente a estes dois métodos, é a sua adequação na perspectiva da teoria desenvolvimentista. Por exemplo, quando representamos fracções usando o método da parte-todo, a parte fraccionária joga, em simultâneo, dois papéis diferentes: a parte/a fracção é, em si, uma entidade própria mas ao mesmo tempo faz parte integrante da outra entidade (a unidade). Esta compreensão não é tarefa fácil para a criança porque os modelos para este método não lhe permitem manipular separadamente a parte e o todo. Quando a criança tira a parte, o todo/a unidade deixa de existir. Este método também não dá ênfase suficiente à ideia de que a fracção é, em si, uma quantidade, um número. Assim, o método da comparação pode ser o mais útil, porque também se pode estabelecer uma  relação entre a parte e o todo mas a fracção/a parte pode ser manipulada de forma independente do todo.
A recta numérica é uma ferramenta também utilizada por alguns professores para representar fracções. Como a utilizam para trabalhar com os números inteiros, consideram que pode ser um recurso útil para mostrar a relação entre números inteiros e números fraccionários. Mas a investigação tem mostrado que, usando a recta numérica, as crianças têm dificuldade em desenvolver o conceito de fracção como número e, por isso, só faz sentido usá-la numa fase posterior quando aquele conceito já está construído.

A linguagem e a notação
Em inglês (e em português também) usamos uma combinação entre número cardinal (numerador) e número ordinal (denominador) para designar verbalmente uma fracção (por ex. ¼, um quarto).
O uso do número cardinal é natural para a criança mas o ordinal já é outra questão. Além disso quando lemos começamos pelo numerador. Noutras línguas as fracções representam-se, verbalmente, de forma diferente. Por exemplo, em japonês ¼ lê-se “yon bun no ichi”. Em primeiro lugar lêem o denominador (Yon é 4). “Bun no” significa “repartido/dividido de” e “ichi” é um. Assim a expressão em japonês significa “uma das quatro partes” Ao ler o denominador primeiro dá-se mais ênfase ao acto de repartir/dividir, sendo então uma linguagem mais próxima do método de representação parte-todo.

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